A proposta de Orçamento do Estado de 2022 prevê o englobamento obrigatório das mais-valias obtidas com valores mobiliários detidos por menos de 1 ano para quem se encontre no último escalão do IRS.
Antes de continuares a leitura, quero lembrar que não sou contabilista e que não estou ligado a nenhum partido político. Este artigo tem o único objetivo de mostrar o meu ponto de vista sobre este assunto que, na minha opinião, poderá ter consequências muito mais graves do que a maioria das pessoas julga num futuro não assim tão distante.
O que é o englobamento?
Os rendimentos dos contribuintes não são todos tributados à mesma taxa (ou seja, nem todos os rendimentos pagam o mesmo imposto). Uns tipos de rendimentos são tributados às taxas gerais de IRS (por ex.: rendimentos de trabalho dependente e pensões) enquanto outros tipos de rendimentos são tributados a taxas liberatórias (por ex.: os rendimentos prediais).
De uma forma geral, o englobamento consiste em o contribuinte juntar todos os seus rendimentos (independentemente do seu tipo) para que eles sejam tributados de acordo com as taxas gerais de IRS, o que, para a maioria das pessoas, não é vantajoso.
O que são valores mobiliários?
Segundo o lexionário do Diário da República, “valores mobiliários são documentos emitidos por empresas ou outras entidades, que representam direitos e deveres, podendo ser comprados e vendidos, nomeadamente, em “Bolsa”, isto é, em mercado regulamentado.”
Ou seja, exemplos de valores mobiliários podem ser ações, ETFs, obrigações, fundos, etc.
A caixa de Pandora
A caixa de Pandora que se irá abrir caso esta medida seja aprovada é uma metáfora para o precedente que se irá criar.
Um precedente é um procedimento ou circunstância que, devido a já ter acontecido anteriormente, permite autorizar ou facilitar acontecimentos ou circunstâncias semelhantes.
Ou seja, ao aprovar-se esta medida, está-se a criar um precedente para que a mesma (que agora é apresentada à população como uma medida apenas contra os mais ricos) facilmente seja aplicada a toda a população.
Por outras palavras, o que agora é vendido como algo que não afetará a grande maioria da população, é criado precisamente com esse efeito.
O impacto desta medida no Orçamento de Estado
O ministro das finanças estima que esta medida do englobamento obrigatório vá render cerca de 10.000.000€ ao Estado Português, sendo esta receita canalizada para o fundo de emergência da Segurança Social. Ora, 10.000.000€ é muito dinheiro, mas quando se fala de um Orçamento de Estado, são peanuts, como diria um certo treinador de futebol.
Na minha opinião, este é mais um sinal de que esta medida não é para ficar por aqui. Que o principal intuito é criar um precedente ao apresentá-la como um imposto para os mais ricos, para depois fazer com que a mesma seja aplicada gradualmente a quem se insira nos escalões de IRS mais baixos.
O limite temporal
Quem me segue sabe que eu sou um investidor de longo prazo e que acredito que este deveria ser o foco da maioria das pessoas. No entanto, nem toda a gente precisa ver o mundo como eu. Embora considere que 1 ano (proposto na medida) seja considerado curto prazo, que garantia têm os investidores portugueses que depois de criado o precedente, este limite não seja alterado? Porque razão tem de ser o governo a definir qual é o limite temporal que uma pessoa deva dar aos seus investimentos?
Além do mais, porque deve ser alguém penalizado se (por alguma circunstância da sua vida) tiver de vender os seus investimentos mais cedo do que estava à espera? Porque embora defenda que toda a gente deva ter (pelo menos) iniciado um fundo de emergência antes de investir, a vida pode por vezes ser tramada e obrigar-nos a tomar decisões muito difíceis.
Porque razão alguém que tenha de vender os seus investimentos para lidar com um grande azar na sua vida tenha de ser obrigado a englobar esses rendimentos e entregar (praticamente) metade das suas mais-valias ao Estado?
E criado o precedente, o que impede que o prazo de 1 ano para englobamento obrigatório não seja alterado para 2 anos? 5 anos? 10 anos?
O escalão máximo
O que é ser rico? A definição de rico ou de riqueza é algo que varia de pessoa para pessoa. E eu compreendo que, para a realidade portuguesa, quem se encontra no último escalão do IRS é alguém que tenha rendimentos bastante consideráveis.
No entanto, será justo alguém entregar metade (eu sei que são “só” 48%) dos seus rendimentos ao Estado?
Vamos a um exemplo. Imaginem alguém como o Cristiano Ronaldo. Alguém que treinou toda a sua vida, que tem uma disciplina e consistência brutais, que é o melhor do mundo no que faz, que arriscou o seu dinheiro para abrir outros negócios como hotéis, o museu, etc.
Será justo o Estado ficar com 48% de todo o suor, coragem e trabalho do seu cidadão? Mesmo já tendo já recebido impostos sobre todas as aquisições que ele fez e não tendo risco absolutamente nenhum sobre a carreira ou os negócios deste (ou de qualquer outro) cidadão?
Eu acredito que não!
Eu entendo a necessidade de pagar impostos, mas não entendo ter um sócio que coloca 0% no negócio e recebe 48% dos seus lucros.
Tenham sempre em mente que hoje falamos do escalão mais alto. Amanhã não saberemos…
Onde se aplica
Esta medida hoje aplica-se a valores mobiliários, deixando por exemplo rendimentos prediais de fora. A pergunta aqui é apenas uma: até quando?
A mensagem que passa
Outro dos problemas relacionados com esta medida é a mensagem que é transmitida a investidores estrangeiros que poderiam ver o nosso país como uma possibilidade para fazer negócios ou apenas viverem a sua reforma.
Quando se fala de grandes investimentos, quer seja a nível da criação de negócios ou do planeamento de uma reforma, uma das coisas mais importantes a ter em consideração é a previsibilidade.
Ao mudar as “regras do jogo”, a mensagem que passa para fora é que a nossa lei fiscal pode ser alterada a qualquer momento. Isto torna-a menos previsível, o que tem impacto direto no planeamento de um negócio ou de um projeto de vida, afastando assim possíveis interessados em dinamizar a economia do nosso país.
Outra mensagem transmitida por mais esta medida é que o nosso sistema fiscal é bastante complexo. De taxas gerais a taxas liberatórias, com taxas extras se a pessoa estiver incluída em escalão X, etc. Isto é mau para o nosso país porque além da previsibilidade que falei acima, a simplicidade também é um fator muito importante na atração de investimento estrangeiro (e nacional também!).
O incentivo à fuga
Quando se fala de impostos na ordem dos 50%, estamos a incentivar a fuga aos impostos. Por uma simples razão: quanto mais alto for o imposto, mais compensatório serão todos os esforços que alguém tenha de fazer para escapar aos mesmos. E o resultado final de medidas deste tipo acaba por ser a coleção de menos impostos por parte do Estado. Por alguma razão existem paraísos fiscais…
Nota final
Esta medida de englobamento obrigatório proposta no Orçamento de Estado para 2022 é uma medida que não me afeta diretamente (pelo menos por enquanto). No entanto, é uma medida que me deixa muito apreensivo e preocupado com o futuro e é por essa razão que quis partilhar este artigo convosco.
Porque o precedente está criado. E a partir daí é muito mais fácil alargar esta medida a mais pessoas. A toda a gente até. E é por isso que esta medida deveria preocupar toda a gente. Não só os “ricos” de hoje, mas toda a gente que quer construir um futuro melhor para si e para os seus.
Fontes:
- https://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas-publicas/orcamento-do-estado/detalhe/englobamento-obrigatorio-das-mais-valias-da-bolsa-avanca-para-os-mais-ricos
- https://www.deco.proteste.pt/investe/investimentos/acoes/noticias/2021/10/mais-valias-bolsa-englobamento-obrigatorio
- https://dre.pt/lexionario/-/dj/115067075/view
- https://www.montepio.org/ei/pessoal/impostos/englobamento-o-que-deve-saber-para-pagar-menos-irs/
- https://eco.sapo.pt/2021/10/12/englobamento-obrigatorio-vai-render-perto-de-10-milhoes-de-euros-ao-estado/
Post interessante!!!
Temos ainda de considerar que à partida já fomos tributados pelo valor quando o recebemos. A jeito de ideia: recebo um salário de 10000 euros brutos, praticamente metade fica na fonte. Depois disto quero investir metade (2500) – ainda tenho d paga 50%? Estes 50% são sobre o valor retirado do investimento ou pelo lucro retirado do investimento?
Seja como for – deu p pensar 🙂
Lae, este artigo foi escrito na altura em que se falava sobre as negociações para a aprovação do Orçamento de Estado de 2022, que acabou por ser chumbado. O que era proposto era a tributação de 50% das mais valias obtidas em valores mobiliários que tivessem sido detidos por menos de 1 ano para quem estivesse no último escalão do IRS.
Isto trocado por miúdos significa que se estivesses no último escalão do IRS e vendesses por exemplo ações que detivesses por menos de 1 ano, então 48% do lucro que obtivesses com a venda ia para o Estado.
O meu problema aqui era a criação de um precedente. Ou seja, depois de aplicar isto para quem estava no último escalão, seria muito fácil ir descendo pelos outros escalões até ficarmos todos abrangidos por esta medida.
Por enquanto nada foi aprovado e esperemos que nunca seja.